PROCESSO EDUCATIVO E CULTURA DIGITAL – REALIDADE E FICÇÃO

A política educacional brasileira ainda está longe do ideal, apesar dos investimentos que vêm sendo realizados pelo Governo Federal na educação básica e na valorização dos profissionais da carreira do magistério.

Milito na área educacional há mais de 10 anos e, portanto, não se me apresenta qualquer dificuldade na identificação das falhas existentes na educação básica, com sérias implicações na formação do estudante universitário. Merece, contudo, ser ressaltada a falta de conhecimento da língua portuguesa. Some-se a isso a falta de comprometimento de alguns docentes com a transmissão dos conteúdos teórico e prático dos planos de ensino e na Educação dos jovens.

Não bastassem esses fatos prejudiciais à formação do futuro profissional, a falta de uma fiscalização eficiente por parte do Ministério da Educação tem propiciado que algumas instituições de ensino superior adotem condutas nocivas à comunidade acadêmica, como, por exemplo, o oferecimento de “ensino a distância” informando ser presencial e por outra IES que não a anunciada, entre outros ilícitos, o que, aliás, já foi objeto de reprimenda pelo Judiciário, em sede de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal de São Paulo, autos 2009.03.00.029207-3 em trâmite perante a 15 Vara Federal de São Paulo, contra a Anhanguera S/A e a UNIDERP.

Fato importante que merece nota e providências por parte do MEC, é a demora da SESU/MEC em concluir a apuração de uma irregularidade contra uma instituição de ensino. Um procedimento administrativo é demasiadamente demorado (cerca de um ano e meio) e, isso, acaba por configurar-se óbice ao pleno exercício do direito fundamental à educação, assegurado a todos os cidadãos brasileiros em igualdade de condições (art. 6º c/c art. 206, inciso I) na medida em que o aluno ter que esperar em média 3 semestres letivos sem estudar aguardando o MEC determinar alguma medida a uma IES é tempo demais. Para exemplificdar, num curso de graduação corresponde a quase um terço do curso. No caso de um curso de tecnólogo, se o aluno estiver indo para o segundo semestre, é o total do tempo restante do aluno.

Ora, de que vale falar em dignidade da pessoa humana e razoável duração do processo (CF, arts. 1º, III e 5º, LXXVIII) se o próprio órgão federal (MEC) responsável pela implementação da política nacional de educação e fiscalização do ensino não respeita os direitos fundamentais do cidadão. Vamos ver quais providências irá adotar sobre as recentes denúncias de desvio de dinheiro público (vide matéria do fantástico de 1º de maio próximo passado) e quanto tempor levará para proteger o direito dos estudantes lesados, como fez recentemente com UNIESP e Anhanguera, que determinou as duas que coloquem em seu sítio na internet e em toda a publicidade que fizerem para qual instituição de ensino o estudante está prestando vestibular, cujo prazo para ambas já expirou e vamos aguardar para ver as providências que o MEC irá adotar sobre esse descumprimento por parte das duas.

A resposta não é simples, exigindo um profunda reflexão da sociedade civil e das autoridades acerca da realidade atual e do futuro da educação no País, o que evidentemente envolve a discussão sobre o acesso às novas tecnologias e sua influência na formação de crianças e adolescentes.

Sobre o tema, vale colacionar o entendimento do Professor Doutor Valdemar Setzer, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de São Paulo, no sentido de que “os meios eletrônicos têm um efeito parecido com as drogas psicotrópicas: prejudicam a força de vontade, tanto de adultos como de crianças e jovens. No caso destes últimos, o resultado é catastrófico, pois eles deveriam estar desenvolvendo sua capacidade de determinar seus objetivos e esforçar-se para consegui-los”.

Prosseguindo seu raciocínio, aduz o eminente professor: “É muito simples verificar esse efeito em si próprio, por exemplo com a TV: note como não é necessário fazer esforço nenhum para continuar assistindo-a; ao contrário, é preciso exercer uma tremenda força de vontade para desligá-la. É esse abafamento da força de vontade que leva muitas pessoas a passarem horas jogando jogos eletrônicos ou usando a Internet em atividades sem nenhum valor. A TV não é um veículo educativo, e sim condicionador. Por isso houve um casamento perfeito entre a TV e a propaganda; 2/3 dos gastos desta no Brasil vão para a TV, porque funciona. Após assistir um comercial de um produto várias vezes, a pessoa incorpora aquela mensagem em seu subconsciente e posteriormente quer possui-lo, mas não sabe porquê. Assim, temos mais um efeito dos meios eletrônicos: prejuízo para a liberdade. Essa é mais uma capacidade que as crianças e jovens deveriam desenvolver paulatinamente até que, aos 21 anos, possam exercê-la plenamente.Se o jovem acostuma-se a ser condicionado, e agir a partir desse condicionamento, como desenvolverá sua capacidade de agir livremente? Esses são apenas dois efeitos negativos para o desenvolvimento de crianças e jovens”, conclui.

Por outro lado, o livre acesso a uma grande e diversificada quantidade de informação aliado ao atrativo dos sites de relacionamentos pode acarretar prejuízos ao aprendizado de crianças e adolescentes, por desviar-lhes o foco da busca do conhecimento. Daí porque a maior parte dos especialistas em educação defende a utilização da tecnologia como forma auxiliar no processo de aprendizagem, desde que esta não seja usada como um fim em si mesma, servindo apenas como chamariz para motivar os alunos. Há, porém, unanimidade no que se refere à necessidade de formação adequada do professor, para desenvolver-se uma consciência crítica no tocante ao uso dos meios tecnológicos.

Henrique Ostronoff1, referindo-se ao “nascidos digitais”, afirma que o uso intenso e frequente do mundo digital motivou a criação do conceito de “homo zappiens”, o que é corroborado pelo Diretor da Área de Educação e Tecnologia da Universidade de Delft, na Holanda, Wim Veen2, o qual expressa o entendimento de que a utilização desses recursos permitiu “às crianças de hoje terem o controle sobre o fluxo de informações, lidarem com informações descontinuadas e com a sobrecarga de informações, mesclarem comunidades virtuais e reais, comunicarem-se e colaborarem em rede, de acordo com suas necessidades”. E, tomando como referência países desenvolvidos, enfatiza que os alunos dessa geração, ao perceberem a escola como instituição à parte de seu mundo, consideram-na como algo irrelevante em suas vidas cotidianas, o que gera um comportamento dito hiperativo e concentração intermitente, preocupando pais e professores. Ocorre que esses indivíduos querem estar no controle daquilo com que se envolvem e não têm paciência para ouvir o professor explicar o mundo de acordo com as suas próprias convicções. Na verdade, o homo zappiens é digital e a escola analógica!.

Em uma hipotética metodologia pedagógica dedicada ao homo zappiens, o pesquisador holandês prevê que as escolas deixariam de treinar as crianças para a certeza. Os alunos seriam preparados para atuar em uma sociedade permeada pelo conhecimento intenso e em constante mudança. A aquisição de conteúdo deixaria de ser o objetivo principal da educação e os professores exerceriam o papel de orientadores, oferecendo apoio especializado aos alunos, os quais teriam independência para “aprender sobre questões e problemas da vida real”.

Para Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, Professora do Departamento de Ciência da Computação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a cultura digital é uma realidade, inclusive no Brasil. “A criança de hoje é diferente. Mesmo que não trabalhe o tempo todo com o computador em casa, como no caso das classes populares, ela já está inserida nessa sociedade”.

Ainda dentro do aspecto tecnológico, ganham relevo os videogames, que, como tudo na vida, oferecem dois caminhos: o da violência e o da educação, cabendo aos pais direcionar as escolhas, para uma correta formação comportamental dos filhos.

Com efeito, diante de tantas transgressões ao ordenamento jurídico, com graves prejuízos à paz social, urge repensar qual a formação moral e intelectual que queremos legar para nossos filhos e as futuras gerações. Neste ponto, cabe ressaltar a influência negativa da televisão na formação da personalidade das crianças, já que pesquisas recentes demonstram que muitos programas veiculados por canais abertos transmitem imagens de nudez, sexo e violência em horários inapropriados para o indivíduo ainda em formação.

Enfim, costumo dizer que bom-senso não faz mal a ninguém. Assim, não é crível imaginar que o livre acesso às novas tecnologias seja capaz de oferecer educação e uma aprendizagem eficaz ao ser humano com uma formação intelecto-emocional incompleta. Além de acompanhar o uso dos equipamentos, cumpre aos pais e responsáveis participarem da escolha dos games, cuja preferência deverá recair sobre aqueles de caráter educativo, para que a formação moral e intelecutal das nossas crianças não venha a deturpar-se pelas contradições do mundo virtual.

Por último, vale registrar que, ao invés de editar leis como a de nº 12.244, de 24 de maio de 2010, cuja implementação afigura-se impossível por razões de custos e de logística, deveria o legislador preocupar-se em rever a política nacional de ensino, visando acabar com o regime de progressão continuada, que aprova milhares de analfabetos todos os anos, com graves implicações para o mercado de trabalho, que, mais dia, menos dia, acabará por absorver a mão de obra desqualificada, oriunda de instituições de ensino superior que praticam verdadeiro estelionato educacional, sem qualquer fiscalização por parte dos órgãos competentes.

Tendo como exemplo os países cuja reconstrução no pós-gerra deveu-se a vultosos investimentos em educação, o Brasil deve iniciar a caminhada rumo à correção das desigualdades sociais pela oferta de um ensino de qualidade a todos os brasileiros, dando-se, assim, cumprimento aos princípios fundantes do Estado Democrático de Direito.

 

NOTAS

1 In: Artigo publicado na Revista Educação, edição nº 143, sob o título Os Perigos do Filtro Tecnológico.

2 Obra homônima, porém com o subtítulo Educando na Era Digital